A multiplicidade de perspectivas acerca dos cogumelos mágicos
Por: Daniel Rodrigues & Andressa Santos
Os cogumelos mágicos, especialmente os que contêm psilocibina, têm sido explorados sob diversas perspectivas. Suas potencialidades e propriedades têm inspirado pesquisadores, místicos, espiritualistas e cientistas ao longo do tempo.
Este artigo discute conceitos e visões complementares e diferenciadas acerca dos cogumelos psilocibinos, destacando as abordagens de Dom Juan Matus (sob a ótica de Castañeda), María Sabina, Terence McKenna, Paul Stamets, Albert Hofmann e outros pensadores importantes no campo, vejamos:
Ao final, também apresentamos nossa perspectiva como enteogenosofistas fúngicos e entusiastas da causa.
1. Dom Juan Matus: O Cogumelo como Aliado e veículo de acesso a realidades incomuns
Dom Juan Matus, personagem dos livros de Carlos Castaneda, apresenta os cogumelos como aliados espirituais, vistos como seres dotados de intenção e poder. Para Dom Juan, os cogumelos não são meras substâncias, mas sim agentes com os quais o praticante deve interagir de forma respeitosa e ritualística. Dom Juan Matus, apresenta os cogumelos como aliados espirituais e veículos de transcendência. Para Dom Juan, veículos para realidade incomum; dotados de intenção e poder, que permitem ao praticante acessar “regulamentos especiais” destas forças, a fim de aprender seu funcionamento e poder. Em The Teachings of Don Juan: A Yaqui Way of Knowledge, Dom Juan descreve o “humito” — mistura de ervas consumidas com o cogumelo Psilocybe mexicana — como um aliado, um ser com o qual se estabelece uma relação de respeito e compromisso, capaz de guiar o aprendiz em jornadas de autoconhecimento e interação com o desconhecido. O cogumelo, nesse sentido, é também um veículo com poder de transportar o aprendiz para além dele próprio, para além da realidade comum; forças que regem-se por regulamentos específicos, orientado por “consensos especiais” não materiais, que só podem ser compreendidos no campo da experiência não ordinária.
2. María Sabina: O Cogumelo como Mediador Divino
María Sabina, uma curandeira mazateca, utilizava os cogumelos como ferramenta de cura e conexão com o sagrado. Para ela, os cogumelos eram “crianças sagradas” que facilitavam a comunicação com o divino e a cura espiritual.
Dizia a Xamã que os hongos orientavam a cura e restabeleceram a alegria de viver. No livro “Vida de María Sabina: A Sábia de Los Hongos”, Álvaro Estrada documenta as visões e práticas de María Sabina, explorando a forma como ela concebe os cogumelos sagrados e sua conexão com o espiritual. Ela os chamava de “los niños que brotan” e “niños santos”, expressando sua crença de que eram seres vivos, dotados de uma essência divina e um poder espiritual profundo. María Sabina via os cogumelos como presentes de Deus e mediadores entre o humano e o divino, descritos como portadores do Espírito da Montanha, uma força superior que orientava suas veladas.
Estrada destaca que, para María Sabina, os hongos não eram apenas instrumentos de cura, mas portais para uma realidade espiritual maior, capazes de conceder visões, conhecimento e conexão direta com o sagrado. Ele também enfatiza a maneira como ela os tratava com reverência, seguindo tradições ancestrais e utilizando-os exclusivamente em contextos rituais, onde eram vistos como guias espirituais que traziam mensagens do mundo invisível para orientar e curar os participantes.
3. Terence McKenna: Cogumelos como Inteligência Cósmica
Terence McKenna acreditava que os cogumelos eram portais para uma inteligência superior, talvez alienígena, que comunicava insights sobre o universo e a condição humana. Defendeu que essas experiências psicodélicas poderiam ser fundamentais para a evolução da consciência humana.
4. Paul Stamets: O Cientista dos Cogumelos
Paul Stamets aborda os cogumelos sob uma perspectiva científica, focando em suas propriedades medicinais e ambientais. Ele acredita que os cogumelos têm o potencial de curar não apenas indivíduos, mas também ecossistemas inteiros.
5. Albert Hofmann: A Descoberta Científica
Albert Hofmann, o químico responsável por sintetizar a psilocibina, via os cogumelos como ferramentas para explorar estados místicos de consciência. Ele destacou a importância dessas substâncias em contextos controlados para evitar riscos.
Reconhecimento da importância cultural e espiritual:
Hofmann reconhecia que os cogumelos tinham sido usados por culturas indígenas da América Central em rituais religiosos e espirituais por séculos. Ele considerava esses usos tradicionais uma fonte de sabedoria sobre os efeitos dessas substâncias e acreditava que os cogumelos poderiam proporcionar insights profundos sobre a mente humana e o universo.
Síntese da psilocibina:
Hofmann foi o primeiro a isolar e sintetizar a psilocibina e a psilocina em 1958, enquanto trabalhava para a Sandoz. Ele se inspirou nas pesquisas e no trabalho de R. Gordon Wasson, que havia documentado o uso de cogumelos psilocibinos em rituais indígenas no México.
Comparação com o LSD:
Hofmann considerava os efeitos da psilocibina menos intensos e mais “terrenos” em comparação com o LSD. Para ele, os cogumelos ofereciam experiências místicas e terapêuticas mais conectadas à natureza e ao espírito, enquanto o LSD podia ser mais disruptivo e abstrato.
Potencial terapêutico e científico:
Assim como o LSD, Hofmann acreditava que a psilocibina tinha um enorme potencial terapêutico, especialmente para tratar transtornos mentais e facilitar experiências espirituais. Ele lamentava a repressão legal e social às pesquisas psicodélicas que começaram nos anos 1960.
Respeito e cautela:
Hofmann enfatizava a importância do uso consciente e responsável dos cogumelos, respeitando sua origem ancestral e seu poder. Ele acreditava que as substâncias psicoativas poderiam ser ferramentas para a autodescoberta e a conexão espiritual, mas apenas quando usadas em contextos adequados.
Em suma, Albert Hofmann via os cogumelos psilocibinos como presentes da natureza que, quando usados com respeito e intenção, poderiam oferecer uma profunda compreensão de si mesmo e do mundo.
6. Jonathan Ott: Os Enteógenos na Etnobotânica
Jonathan Ott, etnobotânico renomado, trata os cogumelos psilocibinos como “enteógenos”, agentes que induzem experiências espirituais profundas e transformadoras. Em Pharmacotheon, Ott explora o uso desses fungos em rituais xamânicos e seu papel no autoconhecimento
7. Michael Pollan: A Perspectiva Terapêutica
Michael Pollan popularizou o uso terapêutico dos cogumelos psilocibinos em seu livro How to Change Your Mind. Ele relata experiências pessoais e apresenta estudos científicos que demonstram o potencial da psilocibina no tratamento de condições como depressão, ansiedade e dependência química. Pollan descreve como essas substâncias podem redefinir a percepção humana em contextos terapêuticos controlados.
8. Ralph Metzner: Psicologia Transpessoal e Cogumelos
Ralph Metzner, psicólogo e pioneiro da psicologia transpessoal, destacou os cogumelos psilocibinos como ferramentas de transformação pessoal e expansão da consciência. Em sua obra The Ecstatic Adventure, Metzner enfatiza que o uso dessas substâncias pode facilitar processos de cura psicológica e despertar espiritual.
9. Dennis McKenna: Cultura e Evolução
Dennis McKenna complementa os estudos de seu irmão Terence, enfocando o papel histórico e cultural dos cogumelos psilocibinos. Em The Invisible Landscape, ele explora a teoria de que os cogumelos podem ter desempenhado um papel evolutivo ao catalisar mudanças na consciência humana.
10. Adam Gottlieb: Cogumelos e Religião Ocidental
Adam Gottlieb, em The Psychedelic Gospels, propõe que substâncias psicodélicas como os cogumelos psilocibinos tiveram influência em práticas religiosas antigas, incluindo o Cristianismo primitivo. Ele argumenta que esses fungos podem ter sido usados em rituais místicos para facilitar experiências de comunhão divina.
11. Conclusão comparativa
Conforme observamos ao longo do texto, os cogumelos mágicos são apresentados e experimentados por diversos expoentes, sob múltiplas perspectivas (espirituais, terapêuticas e científicas dentre outras).
Don Juan Matus os descreve como aliados e veículos espirituais que transportam o praticante a realidades incomuns, enquanto Maria Sabina os vê como mediadores divinos que promovem cura e conexão com o sagrado. Terence McKenna os interpreta como portais para a inteligência cósmica, enquanto Paul Stamets destaca suas aplicações medicinais e ecológicas. Albert Hofmann, pioneiro na síntese da psilocibina, enfatiza seu potencial terapêutico e espiritual, mas alerta para o uso consciente. Jonathan Ott os classifica como enteógenos, agentes de transformação pessoal, e Michael Pollan os apresenta como ferramentas terapêuticas no tratamento de transtornos emocionais. Ralph Metzner e Dennis McKenna exploram sua relevância para a expansão da consciência e evolução cultural, enquanto Adam Gottlieb sugere que sua influência foi determinante no desenvolvimento da relação sagrada e simbólica em rituais religiosos antigos.
12. Nossa concepção: os cogumelos mágicos como “medicina da entrega” e das relações diretas com as forças que nos constituem:
Os cogumelos são, para nós, ao menos provisoriamente, um presente do sagrado; dádiva misteriosa, manifestação da natureza que transcende qualquer conceito fixo, muito além dos aspectos físicos, nos convidando a experimentar realidades mais elevadas e profundas contidas em nós. Muito além de mera substância, os Cogumelos Mágicos devem ser considerados sempre em sua integralidade e inteireza, constituindo remédios do corpo e da alma, bem como portais que nos permitem mergulhar profundamente em nossa essência, explorando camadas e dimensões que permanecem ocultas no cotidiano. Os resultados obtidos com o uso responsável desses não dependem da quantidade ou frequência com que são utilizados, mas sim do nível de entrega e intenção depositados pelo indivíduo em seu próprio processo de desenvolvimento. É na profundidade da entrega — não no uso repetitivo — que reside o verdadeiro poder transformador dessa experiência. É na aceitação e abertura ao que a experiência revela que encontramos o potencial para a cura e o autoconhecimento. É na coragem, na resistência ao medo e na superação dos receios que a resolução é efetivada. Cogumelos mágicos não são fármacos, não se resumem a remediadores químicos para alívio de sintomas. São, antes de tudo, condutores, ampliadores de vitalidade, condutores do desejo humano posto em movimento (em prol da autotransformação). São criadores de pontes sinápticas e vitais que nos permitem acessar nosso eu real, onde residem todas respostas e soluções.
Os fungos mágicos nos convidam a olhar dentro e fundo, com coragem, guiando-nos à jornada de reconexão e contato direto (sem mediadores) com as forças vitais que nos constituem em essência.
Referências
1. Castaneda, C. (1968). The Teachings of Don Juan: A Yaqui Way of Knowledge. University of California Press.
2. Estrada, A. (1981). Maria Sabina: Her Life and Chants. Ross-Erikson Publishers.
3. McKenna, T. (1992). Food of the Gods: The Search for the Original Tree of Knowledge. Bantam Books.
4. Stamets, P. (2005). Mycelium Running: How Mushrooms Can Help Save the World. Ten Speed Press.
5. Hofmann, A. (1980). LSD: My Problem Child. McGraw-Hill.
6. Ott, J. (1993). Pharmacotheon: Entheogenic Drugs, Their Plant Sources and History. Natural Products Co.
7. Pollan, M. (2018). How to Change Your Mind: What the New Science of Psychedelics Teaches Us About Consciousness, Dying, Addiction, Depression, and Transcendence. Penguin Press.
8. Metzner, R. (1968). The Ecstatic Adventure. Macmillan.
9. McKenna, D. & McKenna, T. (1975). The Invisible Landscape: Mind, Hallucinogens, and the I Ching. Seabury Press.
10. Gottlieb, A. (2016). The Psychedelic Gospels: The Secret History of Hallucinogens in Christianity. Inner Traditions.