FDA rejeita o MDMA como terapia: o que vem a seguir para os demais psicodélicos?

📷Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS)

A decisão da Food and Drug Administration (FDA) de rejeitar o uso terapêutico do MDMA, também conhecido como ecstasy, surpreendeu muitos pesquisadores, que agora se perguntam o que essa conduta significará para outras potenciais terapias psicodélicas. Como ainda existem ensaios clínicos psicodélicos em andamento, a revista Nature analisou algumas perspectivas.

Em um comunicado de imprensa, a Lykos Therapeutics – empresa com sede na Califórnia e que tem testado o MDMA, planeja pedir que a FDA reconsidere sua decisão. A empresa ainda disse que a FDA enviou uma carta ressaltando a necessidade de outro ensaio clínico em grande escala para pessoas com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), e que após, submetesse novamente o pedido de avaliação do MDMA à agência. “O pedido da FDA por outro estudo é profundamente decepcionante”, disse Amy Emerson, CEO da Lykos, no comunicado, acrescentando que a empresa pretende trabalhar com a agência para “resolver divergências científicas”. Realizar outro estudo “levaria vários anos”, disse ela, acrescentando que a Lykos já abordou muitas das preocupações da FDA.

Em um e-mail para a Nature, a Lykos recusou-se a fornecer a carta completa detalhando as preocupações da FDA. Especialistas dizem que, sem acesso à carta, é difícil determinar por que a FDA tomou essa decisão. “Realmente estamos lidando com informações incompletas”, diz Mason Marks, que estuda políticas de drogas na Universidade Estadual da Flórida, em Tallahassee, acrescentando que ficou “um pouco surpreso” com a decisão da agência.

Preocupações com o ensaio clínico

Marks ressalta que a FDA geralmente segue o conselho de seus comitês consultivos independentes – e o que avaliou o MDMA em junho, votou esmagadoramente contra a aprovação, citando problemas no desenho do ensaio clínico que, segundo os conselheiros, dificultaram a determinação da eficácia e segurança da droga. Uma preocupação foi a dificuldade de conduzir um ensaio clínico psicodélico: cerca de 90% dos participantes do estudo adivinharam corretamente se haviam recebido a droga ou placebo.

Outra preocupação era a estratégia da Lykos de administrar a droga junto com a psicoterapia. Rick Doblin, fundador da Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS), a organização sem fins lucrativos que criou a Lykos, disse que acha que os efeitos da droga são inseparáveis da terapia guiada. Acredita-se que o MDMA ajude pessoas com TEPT a serem mais receptivas e abertas a revisitar eventos traumáticos com um terapeuta. Mas, como a FDA não regula a psicoterapia, a agência e o painel consultivo tiveram dificuldades para avaliar essa alegação. “Foi uma tentativa de encaixar um pino quadrado em um buraco redondo”, diz Marks.

Efeitos subsequentes?

Não está claro ainda como a decisão da FDA afetará futuras aplicações de outros psicodélicos que estão com ensaios clínicos em estágio avançado, incluindo a psilocibina e o LSD. Boris Heifets, anestesiologista da Universidade de Stanford, na Califórnia, que estuda psicodélicos, duvida que qualquer empresa que desenvolva essas drogas incluirá um componente de psicoterapia em sua submissão à FDA. “Esse tipo de confusão não ajudou a Lykos”, diz ele, e os efeitos das intervenções respectivas são difíceis de desvendar.

Glenn Cohen, especialista em bioética e direito na Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachusetts, diz que algumas empresas já parecem estar se afastando da psicoterapia como parte de seus protocolos de tratamento. A Compass Pathways, em Londres, que está conduzindo um ensaio de fase III de psilocibina como tratamento para a depressão, diz que a psicoterapia não é um componente do ensaio. E a ATAI Life Sciences, em Berlim, está excluindo qualquer pessoa que tenha iniciado recentemente a psicoterapia de participar de seu ensaio clínico em estágio avançado, que investiga a aplicação do DMT para depressão. Estudar os efeitos dos psicodélicos isoladamente pode tornar o processo de revisão da FDA mais tranquilo, diz Cohen, embora essa abordagem “seja contrária à filosofia de muitos que têm pressionado pela aprovação e aceitação dessas substâncias”.

Algumas das preocupações em torno do MDMA parecem específicas da MAPS e da Lykos. Uma investigação divulgada em maio pelo Institute for Clinical and Economic Review, uma organização sem fins lucrativos com sede em Boston, Massachusetts, alegou que os terapeutas da Lykos pressionaram os participantes do estudo a relatar apenas resultados positivos. Outra controvérsia envolveu um terapeuta não licenciado que trabalhava para a MAPS em um centro de pesquisa no Canadá: o terapeuta foi processado por agressão sexual a um participante que estava sob influência da droga. Não está claro se a FDA está investigando essas controvérsias ou quanto elas influenciaram em sua decisão.

Referência

https://doi.org/10.1038/d41586-024-02597-x

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