Possibilidades da psilocibina no tratamento da Doença de Alzheimer
A escassez de terapias disponíveis para a Doença de Alzheimer (DA) acentua a necessidade urgente de novas modalidades de tratamento, como a psilocibina, que tem atraído atenção no campo neuropsiquiátrico. No entanto, seu potencial como uma via terapêutica para a DA permanece em grande parte inexplorado, abrindo possibilidades para o futuro. Uma revisão da literatura publicada na revista científica Frontiers in Neuroscience, realizada por uma equipe de pesquisadores chineses, investigou as características da DA e os efeitos farmacológicos da psilocibina. O objetivo do estudo foi revisar as evidências disponíveis sobre os possíveis mecanismos de ação da psilocibina no tratamento da DA, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de abordagens terapêuticas inovadoras.
Neuroplasticidade prejudicada em pacientes com DA
Imagine o cérebro como uma floresta, onde novas árvores crescem e se conectam, formando um ecossistema complexo e dinâmico. Isso é o que chamamos de neuroplasticidade – a capacidade do cérebro de se adaptar e formar novas conexões neuronais, algo fundamental para a aprendizagem, memória e outras funções cognitivas. Na DA, essa capacidade de adaptação é severamente comprometida. Estudos de autópsia revelaram uma redução significativa nas sinapses cerebrais em comparação com indivíduos saudáveis. A perda de conexões neuronais contribui significativamente para o declínio cognitivo característico da DA, afetando a memória, a linguagem e a aptidão de realizar tarefas cotidianas. Características da DA como a deposição de placas amiloides e a formação de emaranhados neurofibrilares, são alguns dos fatores que podem prejudicar a neuroplasticidade e acelerar a progressão do distúrbio.
Propriedades neuroplastogênicas da psilocibina
A psilocibina, por meio de seu metabólito ativo, psilocina, age como uma “chave” que se encaixa no receptor de serotonina 5-HT2A, e provoca uma série de reações que levam ao aumento da comunicação entre os neurônios. Ao ativar esse receptor, a psilocibina desencadeia uma cascata de reações moleculares que promovem a neurogênese em regiões cerebrais como o córtex pré-frontal e hipocampo, áreas cruciais para a memória e o aprendizado. Essa substância também aumenta a dendritogênese, causando uma rápida remodelação das conexões sinápticas. A capacidade da psilocibina em remodelar o circuito neuronal pode ser particularmente benéfica para pacientes com DA, que é caracterizada por uma perda progressiva de sinapses.
Comparada aos tratamentos convencionais para a DA, como os inibidores da colinesterase, a psilocibina pode oferecer uma abordagem terapêutica inovadora, com um mecanismo de ação distinto. Enquanto os inibidores da colinesterase visam aumentar os níveis de acetilcolina, que é um neurotransmissor essencial para o bom desempenho cognitivo, a psilocibina atuaria promovendo a formação de novas conexões neuronais, retardando a progressão da DA de forma mais eficaz.
Embora essas possibilidades sejam promissoras, é importante ressaltar que a maioria dos estudos sobre a psilocibina e a DA foram realizados em modelos teóricos. Ainda são necessárias investigações adicionais que utilizem modelos animais para validar essas hipóteses e esclarecer os mecanismos precisos pelos quais a psilocibina exerce seus efeitos neuroplastogênicos.
Vias de sinalização BDNF/TrkB e mTOR
Existe um sistema complexo de comunicação entre os neurônios, que estão associados à neuroplasticidade. As vias de sinalização do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e do receptor de tropomiosina quinase B (TrkB), juntamente com o alvo mecanístico da rapamicina (mTOR), atuam como “mensageiros químicos” que coordenam esse processo. O BDNF, uma proteína essencial para a sobrevivência e o crescimento neuronal, se liga ao receptor TrkB localizado nas sinapses glutamatérgicas, desencadeando uma cascata de sinalização que promove a formação de novas sinapses e fortalece as conexões existentes. Por sua vez, o mTOR regula a síntese de proteínas e o crescimento celular, amplificando os efeitos do BDNF e contribuindo para a neuroplasticidade.
Na DA, a disfunção das vias BDNF, TrkB e mTOR desempenha um papel crucial na neurodegeneração. A diminuição dos níveis de BDNF e a alteração da atividade do mTOR levam à perda de sinapses, à atrofia neuronal e à disfunção cognitiva, o que pode contribuir também para a neuroinflamação.
Nível molecular
Uma das principais consequências da ativação do receptor 5-HT2A pela psilocina (metabólito ativo da psilocibina) é o aumento da liberação de glutamato, um neurotransmissor que também parece desempenhar um papel fundamental na neuroplasticidade. O glutamato se liga a receptores específicos localizados nas sinapses, como os receptores AMPA e NMDA. Ao se ligar a esses receptores, o glutamato fortalece as conexões entre os neurônios, permitindo que as informações sejam transmitidas de forma mais eficiente. Esse processo de fortalecimento das sinapses é mediado pelas vias de sinalização BDNF, TrkB e mTOR. Também há evidências de que a psilocina promove a neuroplasticidade ao ativar diretamente o TrkB, atuando da mesma forma que o BDNF.
Neuroinflamação, seu papel na progressão da DA e efeitos anti-inflamatórios da psilocibina
Com a deposição de placas amiloides, uma característica marcante da DA, ocorre uma resposta inflamatória crônica que contribui para a neuroinflamação, perda neuronal e o declínio cognitivo. A psilocibina emerge como uma potencial terapia para a DA devido aos seus efeitos anti-inflamatórios. Ao ligar-se ao receptor 5-HT2A presente em células imunes, como linfócitos e macrófagos, a psilocibina modula a produção de citocinas, proteínas que mediam a resposta inflamatória, cujos mecanismos ainda precisam ser elucidados. Sua propriedade de modular a neuroinflamação sugere que essa substância pode ser uma ferramenta terapêutica promissora para retardar a progressão da DA. No entanto, ainda há debate sobre a psilocibina realmente poder alterar os marcadores inflamatórios em pacientes.
Neuropsicologia
Estudos neuropsicológicos têm demonstrado que a psilocibina está associada a um aumento da criatividade, flexibilidade cognitiva e reconhecimento emocional facial. Além dos benefícios cognitivos, a psilocibina também mostra promessas no tratamento de sintomas de ansiedade e depressão, comuns em pacientes com DA. A redução da inflamação cerebral induzida pela psilocibina pode contribuir para a melhora do humor e do bem-estar emocional.
Conclusões e perspectivas
Ao modular a neuroplasticidade, reduzir a inflamação e melhorar funções cognitivas, a psilocibina oferece a esperança de retardar a progressão da DA, aliviar sintomas como ansiedade e depressão, e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Entretanto, a jornada para transformar a psilocibina em um tratamento seguro e eficaz para a DA é longa e desafiadora. São necessárias pesquisas rigorosas para compreender completamente seu mecanismo de ação, otimizar as doses e identificar os pacientes que mais se beneficiariam desse tratamento. Além disso, questões éticas e regulatórias devem ser cuidadosamente consideradas para garantir o uso seguro e responsável dessa substância. No futuro, a psilocibina pode se tornar uma ferramenta valiosa para melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas afetadas por essa doença devastadora, e gerar um impacto significativo no sistema de saúde e na sociedade como um todo.
Referência
Zheng S, Ma R, Yang Y, Li G. Psilocybin for the treatment of Alzheimer’s disease. Front Neurosci. 2024 Jul 10;18:1420601. doi: 10.3389/fnins.2024.1420601.
Disponível na íntegra:
https://www.frontiersin.org/journals/neuroscience/articles/10.3389/fnins.2024.1420601/full#h4