Seu cérebro sob efeito de cogumelos psilocibinos — como a psilocibina redefine as redes neurais

📷 Nature

Um estudo de neuroimagens mapeou repetidamente os cérebros de 7 pessoas saudáveis antes, durante e depois de tomarem uma dose alta de psilocibina. Os resultados mostraram que a substância redefine temporariamente redes neurais inteiras responsáveis por controlar a sensação de tempo e identidade, o que pode explicar suas propriedades psicodélicas. Essas descobertas, publicadas na revista Nature, podem revelar como a psilocibina produz um efeito terapêutico em algumas condições neurológicas.

Os pesquisadores observaram mudanças tão massivas induzidas pela psilocibina, que os padrões de rede cerebral de alguns participantes do estudo se assemelhavam aos de uma pessoa completamente diferente. “Nunca vi um efeito tão forte“, diz Shan Siddiqi, neurocientista da Harvard Medical School. A maioria dessas mudanças durou algumas horas, mas uma ligação chave entre diferentes partes do cérebro permaneceu interrompida por semanas.

Efeitos cerebrais da psilocibina

Muitos estudos promissores já investigaram como a psilocibina afeta células individuais, mas os pesquisadores ainda não entendem completamente o mecanismo que sustenta seus efeitos terapêuticos. Em busca de maiores esclarecimentos, Joshua Siegel, neurocientista da Washington University School of Medicine, adotou uma abordagem mais ampla para investigar como a psilocibina afeta as redes de neurônios em todo o cérebro.

Siegel e seus colegas acompanharam a atividade dos cérebros de 7 adultos saudáveis antes, durante e depois de tomarem uma dose de 25 mg de psilocibina sintética. A pesquisa usou a ressonância magnética funcional (fMRI) para obter neuroimagens das mudanças no fluxo sanguíneo de diferentes partes do cérebro — medindo como grupos de neurônios se comunicam entre si. Foi observado que a psilocibina dessincronizou grupos de neurônios que normalmente disparam juntos. Esses efeitos foram localizados em regiões cerebrais chamadas “rede de modo padrão”, que geralmente estão ativas quando o cérebro está em ‘repouso desperto’ — por exemplo, quando nossa mente divaga — em vez de focar em uma tarefa.

Embora a maioria dos neurônios nessa rede pareça voltar a se sincronizar uma vez que os efeitos agudos da psilocibina tenham passado, a comunicação entre a rede de modo padrão e uma região do cérebro chamada hipocampo anterior — que está envolvida na criação de nossas noções de espaço, tempo e identidade — foi diminuída por semanas. A equipe de pesquisadores também descobriu que um exercício mental chamado “grounding“, uma prática de atenção plena parecida com a meditação, e comumente usada na terapia psicodélica para diminuir os efeitos desagradáveis de uma substância, parece diminuir os efeitos da psilocibina no cérebro. Isso sugere que pode haver um sinal neurológico que as técnicas de grounding influenciam a ação da psilocibina, diz Siegel.

Reflexões mais profundas

Apesar de estudos anteriores já terem demonstrado que a psilocibina interrompe redes cerebrais relacionadas à sensação de tempo e identidade, este novo estudo “oferece uma compreensão mais detalhada e precisa de como essa substância age no cérebro, revelando que ela redefine temporariamente redes neurais inteiras“, afirma Brian Mathur, neurocientista de sistemas da University of Maryland School of Medicine. A abordagem foi incomum: os pesquisadores se concentraram em um número menor de participantes do que geralmente são recrutados para estudos de neuroimagem, optando por escanear cada indivíduo cerca de 18 vezes, criando uma montanha de dados que os autores usaram para apoiar suas conclusões.

Mathur adverte que esses dados não podem mostrar o que exatamente causa o potencial benefício terapêutico da psilocibina — mas eles oferecem pistas tentadoras. “É possível que a psilocibina esteja causando diretamente as mudanças na rede cerebral'”  diz ele — ou talvez esteja criando uma experiência psicodélica que, por sua vez, faz com que partes do cérebro se comportem de maneira diferente. Siddiqi concorda, acrescentando que será útil desvendar se as mudanças no fluxo sanguíneo no cérebro causadas pela psilocibina, que são medidas pela fMRI, ou seus efeitos diretos nos neurônios — ou ambos — são responsáveis pelas interrupções na rede cerebral. Já Siegel espera conduzir mais experimentos para investigar os efeitos da psilocibina no cérebro de pessoas com condições como depressão. “A melhor parte deste trabalho é que ele fornecerá uma base para o campo desenvolver mais hipóteses que podem e devem ser testadas”, diz Mathur.

Referências

Kozlov M. Your brain on shrooms – how psilocybin resets neural networks. Nature. 2024 Jul 17. doi: 10.1038/d41586-024-02275-y. 

Siegel JS, Subramanian S, Perry D, Kay BP, Gordon EM, Laumann TO, Reneau TR, Metcalf NV, Chacko RV, Gratton C, Horan C, Krimmel SR, Shimony JS, Schweiger JA, Wong DF, Bender DA, Scheidter KM, Whiting FI, Padawer-Curry JA, Shinohara RT, Chen Y, Moser J, Yacoub E, Nelson SM, Vizioli L, Fair DA, Lenze EJ, Carhart-Harris R, Raison CL, Raichle ME, Snyder AZ, Nicol GE, Dosenbach NUF. Psilocybin desynchronizes the human brain. Nature. 2024 Jul 17. doi: 10.1038/s41586-024-07624-5.

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